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 Mistério Divino [16+]

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Kazuhiko Amamiya
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Kazuhiko Amamiya


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MensagemAssunto: Mistério Divino [16+]   Mistério Divino [16+] Icon_minitime23/12/2013, 21:25

O que acontece quando o ser que mantém a harmonia e cuida do universo desaparece sem deixar qualquer pista para trás? Depois de tantos milênios cuidando dos cosmos, naquele dia ensolarado ele havia sumido. Rabiscado às pressas nas paredes do céu, acompanhando pela correria e desespero de todos os anjos dali, podia-se ler em grandes letras amedrontadas, espalhadas por toda parte: “Deus sumiu”.
Tom Waits foi a primeira pessoa da Terra a descobrir que havia alguma coisa errada. Leu “1943-1966” talhado em sua própria lápide. Ele demorou a entender que os portões celestes haviam se fechado. Naquele momento, o primeiro zumbi do mundo percebeu que não podia chorar. Mas quem era ele? Carregando a amargura de todos os mortos que ainda iriam levantar-se, estava destinado a colocar o universo novamente em seu eixo.
Misterio


Divino
Autor: M.N.T.
Gênero: Fantasia
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MensagemAssunto: Re: Mistério Divino [16+]   Mistério Divino [16+] Icon_minitime28/12/2013, 16:28

Capitulo I


O Fim
Tom Waits sentou-se apreensivo em um dos poucos bancos que restaram de pé, ali. Riviera’s Bar havia sido um local sagrado para ele durante muito tempo. Havia feito parte de seu importante ritual diário, na sua vida antiga. Saía do trabalho, de segunda a sábado, sempre às dezenove horas. Pegava carona com Martin e ia beber na companhia de toda sessão de arquivamento, enquanto rezava para conseguir uma promoção.

Aquele bar costumava ter o melhor uísque do estado. Ganhou por três anos consecutivos, através de uma votação popular feita em Nova York por uma antiga revista de sucesso. Para Tom, era o melhor uísque comercializado pelo homem. Outrora habitado por pessoas que tentavam afogar as mágoas de uma vida sofrida, agora estava completamente destruído. Os tempos eram outros. Ele apoiou-se no que restava do balcão a sua frente e deu uma boa olhada ao redor.
Costumava ser um local mal iluminado, antigamente. Mas, com somente um pequeno pedaço do teto ainda de pé, a luz do pôr-do-sol realçava as ruínas caóticas do glorioso lugar. Era quase como se Deus quisesse lhe mandar um recado. Aonde deveria haver uma mesa de bilhar, havia destroços de um carro que invadira o ambiente na noite anterior, trazendo uma das paredes consigo. Havia restos de pessoas em decomposição por toda parte. Traços do que a Terra havia se tornado.

A antiga luminária sucumbira aos impactos e, agora, cobria gentilmente o corpo morto de seu antigo proprietário. Tom observava-o de longe, lembrando-se dos bons tempos que passaram juntos e de como ele havia doado do pouco dinheiro que havia em seu próprio bolso para ajudar seu antigo colega de faculdade a construir o negócio de seus sonhos. Um bar que tratasse todos os seus clientes como uma grande família. Uma explosão seguida ouviu-se lá fora. Gritos. Já não se importava.

Voltou para a vida real. A não-vida, melhor dizendo. Mas aceitar a maneira como as coisas estavam não era o suficiente para si. Queria poder afogar-se em bebida e esconder sua dor uma vez mais. Não conseguia. Fechou os olhos por alguns segundos e mergulhou no único jazz que a velha máquina do lugar conseguiria tocar uma vez mais, caindo aos pedaços. Bill Evans o lembrava da sua mulher, da sua mãe. Quase podia recordar-se de como é amar.

E, agora, não sabia o que pensar sobre toda aquela desordem. Poderia coisas tão especiais serem destruídas como sem não tivessem valor algum? Olhou para suas próprias mãos. Estava tão destruído quanto o Riviera’s. Entendeu que a resposta era sim. Suspirou desiludido. O outro jovem rapaz sorridente, que havia lhe convidado a visitar seu antigo refúgio, limpava com entusiasmo uma caneca enquanto esperava que fizesse seu pedido.

Em meio aos destroços, aquele moço alegre, vestindo um bom terno limpo e completamente arrumado, não fazia parte do cenário caótico em que o mundo se encontrava. Talvez, por isso, Waits decidira conversar um pouco com ele e aceitar seu convite. Pediu um uísque, esperando que ainda houvesse ao menos uma garrafa intacta entre os restos de vidros quebrados pelo chão. Aquele homem sem nome queria ouvir histórias. Tom sorriu levemente, envergonhado.

- Está bom, não encha o copo. – Ele encarou aquela caneca a sua frente com desdém. Sabia que nunca mais poderia sentir a quentura descendo por sua garganta, como quando estava vivo. Sabia que o planeta não era mais o lugar horrendo, porém adorável, que costumava ser. Mas aquela cerimônia toda o fazia lembrar, um pouco, de como as coisas eram antigamente. Pelo menos por um segundo, rapidamente, sentiu-se voltando do trabalho no cair do sol em uma sexta.

- Na última vez em que acordei, eram três da madrugada de uma quarta-feira. Eu só fui descobrir depois, claro. Nunca entendi qual é a das quartas, deve ter sido por isso. - Percebeu que bom humor só piorava seu estado. - Estava confuso e desorientado, como se tivesse saindo de um coma profundo. Havia algo em cima de mim, então fui tirando com as próprias mãos. Quando vi “Tom Waits” escrito naquela pedra de mármore, percebi que havia escavado cerca de sete palmos para fora de meu próprio túmulo. Você não pode imaginar minha dor.

- Não sabia o que estava acontecendo. Estava escuro, não havia ninguém por perto. – Tom criou coragem para tomar seu primeiro gole de uísque. Após não conseguir ter qualquer sensação, virou o copo todo, frustrado. – Passei os próximos dias sentado em cima da cova de minha mãe, esperando que ela pudesse voltar e me explicar o que estava acontecendo. Descobri que não precisava comer ou dormir, então não saí de lá nem por um minuto, encolhido entre minhas pernas.

Sua voz soava tão pútrida e sem sentimentos quanto seu próprio corpo. Elas deslizavam friamente pelo local, até atingir os ouvidos daquele jovem executivo que escutava com vigor. O grande sorriso em seu rosto não se desfez em hora alguma, parece que estava animado com tudo aquilo. Tom não tinha certeza se aquela alegria para com sua desgraça deixava-o confortável ou inquieto. Mas era bom ter, novamente, um amigo a quem pudesse chorar suas tristezas, então não pensava tanto nisso.

- A todo momento um corpo novo se levantava e ia para fora do cemitério. Eu não conseguia fazer como eles, estava com medo. Principalmente depois das primeiros semanas, quando comecei ouvir as explosões e os gritos de dor por toda cidade. Parece que todo o planeta estava se tornando um grande cenário de terror. E eu não queria fazer parte disso. Então só fiquei encolhido entre minhas pernas o máximo que pude. Não havia nada que o mundo pudesse me oferecer, mesmo.

- Minha mãe nunca voltou. – Tom deu o último gole em seu quarto copo. Pôde perceber que aquele rapaz sem nome sentiu-se incomodado. Era a bebida quente encontrando seus lábios podres, em carne viva. Fazia tanto tempo, não se lembrava do quão era ruim ser um morto-vivo. – Eu teria passado minha vida toda ali, esperando ela. Mas, depois de mais ou menos duzentos dias, uma pessoa estranha, vestindo um sobre-tudo negro apareceu. Dizia que estava me procurando. Não me importava com quem era, estava feliz que os céus tivessem lembrado que eu existia.

O jovem empresário enxergou nos olhos de Tom o resto da história que ele não contara. Por mais que tivessem se conhecido a pouco tempo, sabia muita coisa sobre aquele pobre zumbi. Talvez sobesse mais, até, do que ele mesmo. Viu naqueles olhos fundos a dor de alguém que passou sua vida perdendo todas as pessoas que amava. Waits havia aceitado a morte após perder todas as pessoas que significavam algo para ele e sofrido sua existência toda por isso. Nesse momento, a morte não o aceitou.

- Você perguntou se havia mais algum lugar que eu queria visitar. Sabe de uma coisa? Acho que gostaria de ver o central park uma última vez. Costumava ser meu oásis. A última vez que estive lá foi quando minha mulher faleceu. Naquele tempo, os lagos artificiais não costumavam estar banhados por sangue. – Largou seu sexto copo no balcão e olhou para a lua se pondo. Levantou-se com dificuldade e foi até os restos da porta do bar. Seu companheiro o seguiu, sentindo resquíscios de compaixão, pela primeira vez.

A música parou. Aquela velha agulha não era mais capaz de salvar o disco quebrado. Riviera's estava sozinho mais uma vez. Talvez aquela tivesse sido sua última oportunidade de ser um bar de verdade, antes que se tornasse o refúgio de humanos amedrontados ou zumbis rebeldes. Mas não importava o futuro guardado para ele, Tom conseguiu entender, finalmente, que aquele era apenas o fim. E o que realmente importava seria carregado em seu velho coração. Queira ele batendo ou não.

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